Manifesto contra sede
- frei Lorrane, ofm
- 30 de set.
- 2 min de leitura

É urgente falar sobre a sede. Caminhando pelas ruas de Salvador e convivendo com pessoas em situação de rua, percebo o quanto falta algo tão simples e essencial: água. Nós nos acostumamos a doar comida, roupas, cobertores. Tudo isso é importante, mas não basta. As pessoas que vivem nas ruas estão com sede. E a sede dói, corrói, enfraquece. A cada gesto de partilha, a cada prato servido, ouço a mesma pergunta: “tem água?”. E muitas vezes não temos. Isso é cruel.
A água não é mercadoria. A água é dom gratuito de Deus, é um direito fundamental. No entanto, em pleno século XXI, em uma cidade histórica como Salvador, fontes públicas estão interditadas, bebedouros inexistem, e aqueles que mais precisam não têm onde saciar sua sede. Que sociedade somos nós, que negamos o copo de água a quem tem sede?
É preciso denunciar e cobrar. Os gestores públicos (prefeitos, governadores, secretarias, órgãos responsáveis) não podem continuar ignorando essa realidade. Água potável, bebedouros, pontos de hidratação deveriam ser prioridade, sobretudo em regiões onde a população em situação de rua sobrevive. O Evangelho nos confronta: “tive sede e me destes de beber”. Esse não é apenas um chamado espiritual, é um compromisso concreto com a vida.
Não basta falar de solidariedade, é preciso agir. É possível, sim, buscar soluções: parcerias para instalar filtros, pontos de acesso à água nas ruas, torneiras que funcionem em espaços públicos. Estruturas existem; o que falta é vontade política. Se já gastamos tanto dinheiro construindo barreiras hostis, grades, pedras e espinhos para afastar os pobres, por que não transformar essas estruturas em fontes de dignidade? Como lembrou o padre Júlio Lancellotti, no 3º Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara em Recife/PE, o combate à arquitetura hostil precisa começar nos próprios espaços públicos. Onde hoje há grades e impedimentos, que haja torneiras, água corrente, chuveiros, pontos de cuidado.
Eu mesmo me coloco à disposição. Estou pronto para me juntar a qualquer secretaria, a qualquer órgão público, a qualquer instituição que queira tornar possível o acesso à água para quem vive nas ruas. É inaceitável que continuemos a conviver com a sede alheia como se fosse normal. Não é normal! É desumano.
Este manifesto é um grito: água é vida, água é direito, água é dom. Negá-la é negar a própria humanidade. Que a nossa sociedade, que os nossos governantes, que cada grupo de solidariedade acorde para essa urgência. Enquanto houver alguém com sede nas ruas, não podemos descansar.



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