A Igreja de São Francisco, "ainda está aqui", no chão
- frei Lorrane, ofm
- 5 de mar.
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Na tarde do dia 5 de fevereiro, parte do forro da Igreja de São Francisco, uma das mais importantes expressões do barroco brasileiro, desabou, causando grande comoção em Salvador e em todo o país. A tragédia resultou na morte da jovem Giulia e deixou outras cinco pessoas feridas. O impacto do ocorrido foi profundo, reacendendo discussões sobre a preservação do patrimônio histórico na cidade. A igreja, que há séculos encanta fiéis e visitantes com sua riqueza artística e espiritual, agora enfrenta um novo desafio: restaurar-se e seguir como um marco de fé e cultura.
O que aconteceu naquele dia?
Naquele dia, a igreja estava aberta como de costume. Turistas passavam pelos corredores, admirando a riqueza dos detalhes, as pinturas, os douramentos e as esculturas que fazem da Igreja de São Francisco uma das mais belas do Brasil.
Eu havia acabado de chegar de algumas demandas fora do convento e, poucos minutos depois, recebi a ligação de um dos nossos colaboradores informando que o forro da nave principal da igreja havia caído. Não ouvi o barulho, entrei em choque e imediatamente corri até lá. Ao chegar, deparei-me com uma cena desoladora. Havia pessoas correndo e outras dentro da igreja tentando buscar possíveis vítimas. Nenhuma autoridade, polícia ou bombeiros haviam chegado até então e, de pronto, afastamos todos que estavam ao redor do espaço. Pessoas começaram a se aglomerar na frente da igreja e, aos poucos, as autoridades começaram a chegar.
Uma grande nuvem de poeira permaneceu no espaço por mais de meia hora, e o desespero do momento só nos fez chorar. A preocupação com vítimas fatais era imensa e, pouco tempo após a chegada dos bombeiros e do SAMU, confirmou-se um óbito. Aproximei-me e vi a bela jovem entre os escombros. Foi uma das cenas mais tristes e dolorosas que presenciei. Ali, compreendi a gravidade da situação e não contive as lágrimas.
Enquanto os bombeiros continuavam buscando outras possíveis vítimas entre os escombros – felizmente não havia mais –, outras cinco pessoas estavam no outro lado da igreja, no claustro, sendo atendidas por nossos colaboradores e, posteriormente, pelo SAMU. Felizmente, essas vítimas foram encaminhadas para Unidades de Pronto Atendimento e tiveram alta brevemente, sem risco.
Essa foi uma tarde completamente desesperadora e muito tensa. Algo que nunca imaginei vivenciar. Supliquei a Deus por misericórdia, discernimento e, sobretudo, calma para entender tudo o que estava acontecendo.
Como cuidamos desse patrimônio?
A Igreja e Convento de São Francisco é um dos maiores símbolos da arte barroca no Brasil e um dos pontos turísticos mais visitados de Salvador. Mas, além de ser um lugar de beleza e história, é também um local de fé e espiritualidade. Cuidar desse patrimônio exige um trabalho constante, cujas demandas muitas vezes passam despercebidas.
Nós, franciscanos, somos responsáveis por este complexo e sempre buscamos as melhores formas de manter sua estrutura de pé. No entanto, a manutenção de um patrimônio como este exige investimentos altos e constantes. Os recursos recebidos com a taxa paga pelos turistas são insuficientes para atender todas as necessidades de conservação, o que torna o trabalho ainda mais desafiador. Importante lembrar que há períodos de fluxo maior e menor no turismo, o que impacta diretamente essa receita. Nossa manutenção envolve o cotidiano, incluindo limpeza, pintura de determinados locais, despesas com funcionários, manutenção dos frades, custos com água e luz, entre tantas outras necessidades essenciais.
Quando tratamos de itens artísticos, os cuidados e exigências são muito mais rigorosos. Qualquer intervenção deve seguir normas específicas e precisa ser conduzida por profissionais especializados. Somente o IPHAN pode autorizar e indicar o profissional adequado para cada necessidade, e tudo isso envolve custos altíssimos. Atualmente, está em curso um "projeto executivo" com a finalidade de uma futura restauração de todo o complexo, avaliado em 1,2 milhão de reais. Vale salientar que esse projeto se refere apenas à avaliação e às indicações de medidas necessárias para a restauração, não contemplando as obras em si. Se somente o projeto tem esse valor, imagine as obras?
Outra questão importante é a relação com o IPHAN. Por lei, o órgão tem a obrigação de orientar e fiscalizar o patrimônio, mas, devido ao sucateamento de muitas unidades estaduais, o acompanhamento acaba sendo deficitário. Qualquer intervenção no patrimônio precisa ser revisada e orientada pelo IPHAN, o que torna muitas ações lentas, ainda que sejam benéficas para a preservação. Até mesmo uma simples reforma em um banheiro exige parecer técnico do órgão. Foi por isso que, ao notarmos a irregularidade no forro da igreja, comunicamos imediatamente à autarquia. Com um teto a 12 metros de altura, sem sermos especialistas e diante de tantos elementos artísticos, era impossível prever o risco daquela fissura. Somente alguém qualificado poderia avaliar corretamente a situação.
É um imóvel com mais de 400 anos, e, ao longo do tempo, os frades "moveram céus e terras" para que a Igreja e Convento de São Francisco fossem reconhecidos como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e uma das joias mais importantes do barroco no Brasil.
E agora? Como está a situação?
Um mês após o desabamento, a igreja segue totalmente interditada, e tudo o que caiu do forro ainda está no chão. Não temos informações concretas sobre o futuro dela. Sabemos apenas que está autorizada a contratação de uma empresa para realizar obras emergenciais para a estabilização, remoção e acondicionamento dos elementos do forro da nave e da cobertura da igreja.
A investigação pela Polícia Federal segue em andamento, com visitas frequentes ao local. Há também iniciativas da sociedade civil manifestando o desejo de colaborar na reconstrução deste patrimônio. No entanto, talvez devido ao carnaval, há uma aparente inércia dos órgãos competentes na busca por soluções para o futuro deste monumento tão importante para o país. Quando a Catedral de Notre Dame pegou fogo, houve uma mobilização gigantesca, inclusive de brasileiros, para sua restauração. Será que teremos a mesma comoção pela nossa "Notre Dame Brasileira"? Nós, frades responsáveis pela Igreja e Convento de São Francisco, estamos abertos ao diálogo e às possibilidades.
Enquanto isso, seguimos cuidando dos pobres que circundam esse complexo e realizando as celebrações religiosas da forma que o Senhor nos permitir. O episódio trouxe um alerta sobre a urgência de mais investimentos na preservação do patrimônio histórico do Brasil. Também nós, franciscanos, aprendemos que precisamos fortalecer ainda mais nosso zelo e cuidado com esse patrimônio, para que sejamos referência nessa missão.
O desabamento do forro da Igreja de São Francisco foi um golpe doloroso para todos nós. Perdemos Giulia, uma jovem cheia de vida, e vimos a história dessa Maravilha se despedaçar diante de nossos olhos. A dor dessa tragédia nos lembra da fragilidade do tempo e da responsabilidade que temos em preservar esse patrimônio.
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